A subtle form

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“. . . How many words does a person know?” she asks her mother rhetorically. “How many does he use in his everyday vocabulary? One hundred, two, three? We wrap our feelings up in words, try to express in words sorrow and joy and any sort of emotion, the very things that can’t in fact be expressed. Romeo uttered beautiful words to Juliet, vivid, expressive words, but they surely didn’t say even half of what made his heart feel as if it was ready to jump out of his chest, and stopped him breathing, and made Juliet forget everything except her love?
“There’s another kind of language, another form of communication: by means of feeling, and images. That is the contact that stops people being separated from each other, that brings down barriers. Will, feeling, emotion—these remove obstacles from between people who otherwise stand on opposite sides of a mirror, on opposite sides of a door . . . The frames of the screen move out, and the world which used to be partitioned off comes into us, becomes something real . . . And this doesn’t happen through little Andrey, it’s Tarkovsky himself addressing the audience directly, as they sit on the other side of the screen. There’s no death, there is immortality. Time is one and undivided, as it says in one of the poems. “At the table are great-grandfathers and grandchildren . . .” Actually mum, I’ve taken the film entirely from an emotional angle, but I’m sure there could be a different way of looking at it. What about you? Do write and tell me please . . .”
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A most beautiful letter sent by a mother to Andrey Tarkovsky, transcribed in the introduction to “Sculpting in Time: Reflections on the Cinema”. Translated by Kitty Hunter-Blair. Austin, TX: University of Texas Press, 1986. Reprint 2017, pp. 12-13 (emphasis in original).

Aparições e símbolos

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Nós falamos muito. Devíamos falar menos, e desenhar. Gostaria de perder o hábito do discurso e de me exprimir apenas como a Natureza, através de desenhos expressivos. Esta figueira, esta pequena serpente, este casulo, são, todos eles, “assinaturas” carregadas de sentido. Na verdade, quem pudesse decifrar com exactidão os seus significados seria muito provavelmente capaz de prescindir do discurso escrito e oral. É verdade, quando mais reflicto sobre isto, mais me parece haver algo de inútil, de insípido, direi mesmo, de excessivo, no discurso humano, de modo que ficamos espantados com a gravidade silenciosa da natureza e com o seu silêncio.
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Johann Wolfgang von Goethe, “Goethes Gespräch mit J. D. Falk” (1809), in Pierre Hadot, “Não Te Esqueças de Viver: Goethe e a Tradição dos Exercícios Espirituais” (2008). Lisboa: Relógio D’Água, 2019, p. 165.

O olhar do alto e a viagem cósmica

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Se, desde o início, os homens percebessem que são mortais e que, depois de uma breve estada na vida, têm de a abandonar como se saíssem de um sonho, deixando lá ficar tudo, viveriam mais sabiamente e morreriam com menos arrependimentos. (…) Tomada de consciência da pequenez e da grandeza do homem era, exactamente, como Kant definia o efeito causado pelo sublime, porque o infinito esmaga-nos, mas o pensamento sobre o infinito eleva-nos, de modo que o sentimento do sublime provoca, em simultâneo, dor, medo e prazer. (…) O olhar do alto, para quem é capaz de tomar consciência do carácter sublime daquilo que vê, permite-lhe ultrapassar o que é compreensível e concebível, para o pôr em presença do infinito e do insondável. (…) É preciso ultrapassar “as inquietações secretas do nosso coração, que, mais do que as nuvens e as tempestades, se agitam em todos os sentidos para ensombrar aos nossos olhos o universo inteiro.” (…) A vida é um voo que se situa entre o celeste e o terrestre, entre o céu estrelado e as cores da terra (…) se a vida é um voo, ela é também um ímpeto, uma aspiração dirigida ao infinito, que não deve ser perturbada pela ideia de fim e de limite. Nesta acepção, Goethe é discípulo de Espinosa: “O homem livre em nada pensa menos que na morte; e a sua sabedoria não é uma meditação da morte, mas da vida.” (…) O olhar do alto é, antes de mais, um ímpeto em direcção ao infinito, mas também deslumbramento perante o esplendor do mundo e da vida. No entanto, como na Antiguidade, é um exercício espiritual que exige daquele que o pratica uma certa disposição ética. O olhar do alto abre perspectivas improváveis sobre o cosmos e sobre a vida humana, e provoca uma espécie de êxtase cósmico. Mas para lhe aceder é necessário, como Wilhelm ao contemplar as estrelas, proceder a uma elevação espiritual, libertar-se das preocupações, e dos interesses materiais, para ser capaz de espanto e de admiração e vislumbrar o sublime. É possível que as teorias kantianas sobre o belo e o sublime tenham exercido influência em Goethe. Podemos dizer que, para Kant, só uma alma boa é capaz de sentir a beleza da Natureza, porque não se deixa cegar por interesses egoístas.
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Pierre Hadot, “Não Te Esqueças de Viver: Goethe e a Tradição dos Exercícios Espirituais” (2008). Lisboa: Relógio D’Água, 2019, pp. 74-99.

A experiência filosófica do presente

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Apesar da diferença profunda entre as doutrinas epicurista e estóica, podemos descobrir, subjacente a ambas, uma grande analogia no que diz respeito à experiência do presente. (…) Epicurismo e estoicismo convidam a ressituar o instante presente na perspectiva do cosmos e a reconhecer um valor infinito ao mais ínfimo momento da existência. (…) O epicurismo propõe, precisamente, um saber que ensina a tranquilidade, a suprimir a inquietação, um saber que, de resto, só na aparência é fácil, pois é necessário renunciar a muita coisa para apenas desejar o que temos a certeza de conseguir e para submeter os desejos ao julgamento da razão. De facto, trata-se de uma transformação total da vida. Ora, um dos aspectos mais importantes dessa transformação é a mudança de atitude no que respeita ao tempo. (…) É necessário saber usufruir do prazer presente, sem se desviar desse prazer, evitando pensar no passado, se ele foi desagradável, ou no futuro, na medida em que este gera em nós medos ou esperanças desordenadas. (…) O melhor prazer e o mais intenso é aquele que menos se mistura com a inquietação e que assegura com maior eficácia a paz da alma. Será, pois, alcançado pela satisfação de desejos naturais e necessários, desejos essenciais, necessários à preservação da existência. Esses desejos podem ser facilmente satisfeitos sem precisarmos de esperar pelo futuro, sem nos entregarmos à incerteza e à inquietação de uma longa demanda. (…) O presente é quanto basta à nossa felicidade, pois é a única coisa que nos pertence, que depende de nós. Aos olhos dos estóicos, de facto, é essencial saber distinguir o que depende de nós do que não depende de nós. O passado já não depende de nós, porque está definitivamente arrumado, o futuro não depende de nós porque ainda não existe. Só o presente depende de nós. (…) O instante presente é fugidio, minúsculo (…), mas nesse vislumbre, como diz Séneca, podemos exclamar em uníssono com Deus: “Tudo me pertence.” / O instante é o único ponto de contacto com a realidade, mas oferece-nos a realidade total. E, precisamente porque é passagem e metamorfose, faz-nos participar do movimento geral do que acontece no mundo, e da realidade do devir do mundo. (…) “Quem viu o presente viu tudo, quer o que existiu desde sempre, quer o que há-de ser até ao infinito”, diz Marco Aurélio. (…) Em cada acontecimento está implicado o mundo inteiro:

“Aconteça o que acontecer, estava-te preparado desde toda a eternidade, e a trama cerrada das causas ligava desde sempre a tua substância a este acidente.”
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Pierre Hadot, “Não Te Esqueças de Viver: Goethe e a Tradição dos Exercícios Espirituais” (2008). Lisboa: Relógio D’Água, 2019, pp. 32-41.